João levava a vida como um rio. Era jovem, tinha uma perna maior que a outra, não dava para montar sozinho no cavalo, segurar as rédeas e trotar. Ele trabalhava no escritório do tio e morava com a mãe, gostava de futebol, cerveja, mulher, baralho e MPB.
Apesar do nome de apóstolo, João não comungava com Deus. Das vezes que sofreu nem chegou a pensar em Cristo. Chorou escondido alguns meses durante o término com Marina, mas tentou não sei deixar levar: bebeu, jogou, trepou, saiu com Camila, Tati, Vanessa, Carol, Sara, Fabi, Raissa e Manu, e foi pulando de poleiro em poleiro que acabou ficando exausto de manter a crista.
Quase todos os dias, depois do expediente, João enxugava um copinho de cachaça pensando em Marina, e os pensamentos nadavam na água turva dos arrependimentos. Ele a procurava em outras águas e matava a sede no poço da frustração. Então tornava a procurá-la nos sonhos e sentia a correnteza na cama. Sonhava feliz e acordava puto, cheio de suas sensações oceânicas.
Quando João saía com os amigos e se lembrava dela, era só beber que passava. E passava uma mulher com pernas bonitas e mais uma rodada de chopp. E os olhos se atreviam nas moças, em chegar perto, puxar papo e era bom nisso, não ficava sozinho, afinal, quem quer ficar sozinho fica em casa. Não lá em casa. Saideira? Carro. Corredor. Cama. Calcinha. Fechava os olhos e via sempre um mar escuro com poucas ondas, não tinha a maré. João era normal. O único fim decente pra ele era o fim de semana.
Nesse sábado, João acordou ao lado de Mariana. O que ele não sabia era que a vogal que fazia Mariana não ser Marina mudaria o rumo de suas vidas. Ao vê-la dormir, ele imaginou um feriado na praia, uma foto de casal na geladeira, um evento em família, um presente surpresa e uma sequência de experiências inéditas e dispersas. João levou Mariana nos lugares que mais gostava, desfilou abraçado e exibiu o frescor do vínculo.
Agora, o rio é doce, a canoa segue na direção dos mangues, onde as raízes crescem no meio da flora típica. A vida mostra novamente o vigor na umidade dos olhos castanhos de João, ainda que a previsão seja de tempestades, o alívio é maior ao sentir que esse ano, as mágoas não estão ancoradas.
Que beleza de conto!!! Poético, filosófico, delicado. Amei!
Âncoras platônicas de marujo. Que beleza de conto!!! Poético, filosófico, delicado. Amei!!!