Rosto redondo e harmônico, dentes grandes, voz alta e um humor acima da média. Toda manhã é mais um dia para se olhar no espelho e se enfrentar com resquícios de dúvidas.
A brisa fresca nas canelas após um banho gelado, o cheiro cítrico do sabonete, o aroma do café que chega como um abraço, o pão com manteiga e os farelos que caem no chão. Sentir os dias enquanto o tempo passa sorrateiro junto ao suor embaixo dos peitos. Os braços fortes, o cabelo curto molhado e arrepiado, as rugas típicas de uma mulher que sorri com os olhos. As ancas largas e as unhas do pé com o brilho da base.
Deixar o feijão de molho, descascar cebolas, picar couve e alho. Uma consagração de cheiros enquanto a faca trabalha na tábua de madeira. O relógio vermelho na parede branca, a muda da planta ao lado do filtro de barro, o pano de prato levemente encardido. A frigideira com óleo quente, aguardando o estalar dos ovos; o vapor que sobe da panela ao destampar o arroz. A solitude de morar sozinha e não ter que esperar ninguém chegar.
A campainha toca e interrompe o solo úmido da panela de pressão. Ouve-se o latido do cachorro da vizinha. Eliete tira o avental, olha pela janela e permite a contingência chegar sem a menor cerimônia. Era os Correios com uma encomenda atrasada.
Finalmente o telefone que sua afilhada mandara chegou em mãos. Abriu a caixa e ligou o aparelho sentindo todo o gosto da novidade em cores, barulhos e ícones. Conectou o telefone ao Wi-Fi aberto da vizinha. Há de se ter algum benefício em dividir o mesmo terreno. Com seu e-mail antigo e abandonado, se cadastrou no Instagram, a pedidos da afilhada. Tirou uma foto de frente pro espelho para adicionar ao perfil, os sinais do tempo estavam ali, inegáveis. Começou a seguir gente conhecida e distante…
Que mistura de esperança com temor descobrir o presente de seus amigos do pretérito. Algumas narrativas até eram previsíveis, outras beiravam a loucura. Onde já se viu o maconheiro virar capitão, filha de fazendeiro virar líder de assentamento do MST? Meia dúzia largou a depravação e correu para a Assembleia do Reino de Deus. Mas José era médico, que nem seu pai. Fabi casou-se com um empresário com mais propriedades que a soma de todos os imóveis da família, Flávio assumiu o negócio do sogro. Luana repetiu a história da mãe. Joana virou João, mas todos ainda o chamam de Jô. Waltinho teve três meninos que jogam futebol, igualzinho ele quando era criança. Todos pareciam tão realizados que era impossível não se incomodar…
A cervical dava sinais de incômodo, essa posição de olhar pra vida dos outros era um sintoma e, ao se desconectar da tela, pôde sentir o cheiro grudento de feijão queimado. Santo Antônio do Amparo! Sua vida de quarentona no meio do mato parecia avessa a todas aquelas pessoas que um dia fizeram parte de sua vida. Que sensação estranha essa de abrir as portas para conhecidos que não eram chegados. Sua vida de eremita se estremeceu quando encontrou, no perfil da antiga colega Mara, uma foto das duas em São Thomé das Letras. Meu Deus! De todas as estranhezas, a melhor delas era sentir que sempre foi um bicho do mato.
Que gostoso. Que leitura fluida que aqueceu meu coração nesse final de dia. Obrigada, Paulinha. ❤️
Bem escrito!! Encantada!!PARABÉNS Paula!!
Ótimo texto! Gostoso de se ler, Paulinha! 👏🥰🌹
Que alegria te ler!
Que tudo você por aqui!
Me encanta! Obrigada pela partilha, Paula!!! Você é incrível!
Mana, suas fotos deram match total, vc viu? Tudoh! <3
Adorei muito, Paula! Adoro seus textos! ❤️
Muito feliz de você ter passado por aqui, Gabi! 💖
Tão feliz em ler seus contos.
Termino 1 e já quero outro.
Te amo irmã 💗
Uma hora dessas você vai esbarrar com umas coisas suas ; )
Me senti um bicho do mato também ❤️ amei
Que delícia ter você aqui, Jaque : )
Sensacional!