Aquele homem parecia um anjo caído, iluminado e desprotegido, orbitado por mulheres que queriam uma relação de troca, mas ele só queria receber. Ele esperava ser nutrido com admiração, presentes e músicas que embalavam seu ego nas trevas das árvores genealógicas.
Aquelas musas não se tornaram a vocalista da banda ou a primeira faixa do disco. Ele só queria ser venerado no crepúsculo das noites regadas a rock’n roll, um clichê nostálgico que revira as minhas pálpebras de outros pretéritos.
Para além da química, aquelas mulheres gostavam de conversar. Dizem que é disso que mulher gosta, de ser ouvida, para depois se entregar. É na semântica que nascem os olhares provocativos. O tesão vem da tensão das palavras, das sílabas que antecedem os atos, das pausas ocupadas por cigarros, copos e canudos. O jeito particular de acender um cigarro, de chamar o garçom, de mexer na carteira. As gírias, as vogais abertas, as consoantes fricativas, fodeu! A forma como ele não deixa os outros falarem, o olhar que denuncia o desinteresse pelo assunto, as raras vezes que a gentileza vem a público, tão recatada, essa bela senhora.
Essa era só uma forma de saborear os detalhes pelas beiradas e lamber esse pote de ouro que eram os encontros, ainda que misturados com vodca e alguns arrependimentos noturnos. Aquelas mulheres queriam o querubim e eu queria ser Lúcifer, aquele que brilha por arruinar a culpa e libertar a vontade. Seria esse o trono que ele edificou acima de Deus? Que inveja sinto dele, que não perde tempo em se justificar. Um homem doce na sua rebeldia e fiel aos próprios interesses. Aquele demônio não tinha medo de desapontar ninguém, estava fora de questão cumprir as expectativas alheias e era isso que o tornava A atração da noite.
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Meio coruja meio camaleão, às vezes zen, às vezes Hilst.
Paula Assis tem formação em comunicação e deformação em literatura. É ciclista, gateira e redatora. Ama os sotaques do Brasil, com preferência duvidosa por aqueles cantados e cheios de interjeições. Mora em Campinas e vive querendo uma casa com quintal e fogão a lenha, mas a paranoia não abandona a falsa segurança das câmeras e portões dos edifícios. As ambivalências existem para serem exaltadas.